SENHOR POETA
Poema: Manuel Alegre e António Barahona da Fonseca
Música: Zeca Afonso
Gravado originalmente em 1952 no disco “Baladas de Coimbra”
Meu amor é marinheiro,
E mora no alto mar,
Seus braços são como o vento,
Ninguém o pode amarrar.
Senhor poeta, Vamos dançar,
Caem cometas,
No alto mar.
Cavalgam Zebras,
Voam duendes,
Atiram pedras,
Arrancam dentes.
Senhor poeta…
Soltam-se as velas, Vamos largar,
Caem cometas,
No alto mar.
A TUA VOZ FALA AMOROSA
Poema: Fernando Pessoa
Música: Tiago Machado
Pertence ao disco “Os mensageiros” de 2013 que conta com a participação de vários músicos e atores portugueses
Poesia lírica de Fernando Pessoa
A tua voz fala amorosa…
Tão meiga fala que me esquece
Que é falsa a sua branda prosa.
Meu coração desentristece.
Sim, como a música sugere
O que na música não está,
Meu coração nada mais quer
Que a melodia que em ti há…
Amar-me? Quem o crera? Fala
Na mesma voz que nada diz
Se és uma música que embala.
Eu ouço, ignoro, e sou feliz.
Nem há felicidade falsa,
Enquanto dura é verdadeira.
Que importa o que a verdade exalça
Se sou feliz desta maneira?
FADO DA BRASILEIRA
Poema: Joaquim Morgado
Música: Joaquim Morgado
Poeta, músico versátil, compositor Farense.
Um fado amoroso com um oceano a separar o casal.
Você é minha ancora,
Você é minha pedra angular.
Minha pirâmide de prazer.
Você é o meu canto.
Você é meu desejo, meu espanto,
Você é.
Eu te amo tanto, tanto, tanto.
Você é meu amor,
Meu faixo tricolor,
Você é minha chama, minha flamula e pudor
Desorientado, roto e tresloucado.
Você é meu bocado apaixonado,
Você é o meu fado.
NA RIBEIRA DESTE RIO
Poema: Fernando Pessoa
Música: Dori Caymmi
Poema de 1933 musicado para o disco “Música em Pessoa” de 1985
Este poema de Fernando Pessoa sabe transportar-nos para dentro dos seus sentimentos. O rio passa e eu confio… Algumas certezas que temos são simples e isso dá-nos segurança. A vida segue o seu curso, assim como um rio e nós vamos aprendendo a fluir com ele.
Na ribeira deste rio,
Ou na ribeira daquele,
Passam meus dias a fio,
Nada me impede, me impele,
Me dá calor ou dá frio.
Vou vivendo o que o rio faz,
Quando o rio não faz nada,
Vejo os rastros que ele traz,
Numa sequência arrastada,
Do que ficou para trás.
Vou vendo e vou meditando,
Não bem no rio que passa,
Mas só no que estou pensando,
Porque o bem dele é que faça,
Eu não ver que vai passando.
Vou na ribeira do rio,
Que está aqui ou ali.
E do seu curso me fio,
Porque se o vi ou não vi,
Ele passa e eu confio.
Ele passa e eu confio.
Ele passa e eu confio.
Ele passa e eu confio.
DOBRADA À MODA DO PORTO
Letra: Fernando Pessoa
Música: Murilo Alvarenga
Este é um texto em género de crónica, que nos relata uma história num restaurante.
Um dia, num restaurante, fora do espaço e do tempo,
Serviram-me o amor como dobrada fria.
Disse delicadamente ao missionário da cozinha
Que a preferia quente,
Que a dobrada (e era à moda do Porto) nunca se come fria.
Impacientaram-se comigo.
Nunca se pode ter razão, nem num restaurante.
Não comi, não pedi outra coisa, paguei a conta,
E vim passear para toda a rua.
Quem sabe o que isto quer dizer?
(Ai) eu não sei, e foi comigo
Sei isso muitas vezes,
Mas, se eu pedi amor, porque é que me trouxeram
Dobrada à moda do Porto fria?
Não é prato que se possa comer frio,
Mas trouxeram-mo frio.
Não me queixei, mas estava frio,
Nunca se pode comer frio, mas veio fria.
OS ARGONAUTAS
Poema: Fernando Pessoa
Música: Caetano Veloso
Gravado para o álbum homónimo “Caetano Veloso” de 1969.
É um texto famoso de Fernando Pessoa, desses que se incorporam à memória cultural de um povo. Cito de memória: “Navegadores antigos tinham um lema: navegar é preciso, viver não é preciso. Quero para mim este lema, adaptando-o à minha vida e à minha missão no mundo: viver não é necessário, o que é necessário é criar.”
Há quem interprete a frase com o outro sentido da palavra “preciso”. Navegar é preciso. Pode-se usar instrumentos de precisão para navegar. Já viver… nunca é preciso. Nunca temos total controle sobre a vida.
De qualquer forma o poema fala-nos da importância em rompermos com a mesmice, com a rotina e nos convida a aproveitar a vida ao máximo. De outra maneira viver seria passar pela existência sem aceitar tais desafios, ter uma postura mais confortável, ainda que menos interessante.
O Barco!
Meu coração não aguenta
Tanta tormenta, alegria
Meu coração não contenta
O dia, o marco, meu coração
O porto, não!…
Navegar é preciso
Viver não é preciso
O Barco!
Noite no teu, tão bonito
Sorriso solto perdido
Horizonte, madrugada
O riso, o arco da madrugada
O porto, nada!…
Navegar é preciso
Viver não é preciso
O Barco!
O automóvel brilhante
O trilho solto, o barulho
Do meu dente em tua veia
O sangue, o charco, barulho lento
O porto, silêncio!…
Navegar é preciso, Viver não é preciso…
ESTRELA, LUA E FLÔR
Poema: Joaquim Morgado
Música: Joaquim Morgado
Poeta, musico e compositor algarvio
Esta canção é um sonho romântico de um amor vivido agora sentido.
Um sonho concedendo um desejo, materializando, aceitando-o.
Se essa estrela que azul brilha no azul do céu,
Que à noite negro é,
Se estrela azul me pertencesse a mim,
Eu dava-a…
E essa rosa que louca me faz louca e vai,
No ar se desfazer em pétalas de mim,
Se essa rosa tão linda e louca fosse eu,
Oh, eu dava-a…
Ah! Se essa flor sem cheiro ou cor,
Seu nome eu pudesse dizer,
Eu procurava por ela num jardim,
Eu roubava-a e trazia-a junto a mim,
Para te dar.
E se depois a estrela, a rosa e essa flor,
Num bailado louco bailavam no teu sono,
Eu roubava a lua,
P’ra tu sonhares…
E então, de manhã ao acordar,
A estrela partia devagar,
A rosa de desfazia no ar,
A lua ia nascer noutro lugar,
E um coração, botão de flor, parava de chorar.
CAVALEIRO MONGE
Poem: Fernando Pessoa
Música: Tom Jobim
Musicado para o disco “Música em Pessoa” de 1985
Do Vale à Montanha é um poema esotérico e iniciático de Fernando Pessoa, datado no ano de 1932. O interesse de Pessoa pelo esoterismo terá vindo desde 1915. Especialmente por teosofia, uma teoria filosófica muito em voga então. Pessoa dizia acreditar em mundos superiores ao nosso com habitantes que teriam experiências de diversos graus de espiritualidade.
Um monte que liga o mundo terreno ao mundo divino, uma montanha sagrada que dá acesso ao conhecimento proibido e vedado aos mortais, é certamente uma metáfora, porque na verdade a ascensão é interna, tanto como externa.
O “cavaleiro-monge” remete-nos à imagem dos cavaleiros templários – monges e simultaneamente soldados. O poema descreve um percurso iniciático, cheio de obstáculos, que o cavaleiro-monge e o cavalo de sombra percorrem.
Do vale à montanha, Da montanha ao monte
Cavalo de sombra, Cavaleiro monge
Por casas, por prados, Por quintas e por fontes
Caminhais aliados
Do vale à montanha, Da montanha ao monte
Cavalo de sombra, Cavaleiro monge
Por penhascos pretos, Atrás e defronte
Caminhais secretos
Do vale à montanha, Da montanha ao monte
Cavalo de sombra, Cavaleiro monge
Por prados desertos, Sem ter horizontes
Caminhais libertos
Do vale à montanha, Da montanha ao monte
Cavalo de sombra, Cavaleiro monge
Por ínvios caminhos, Por rios sem pontes
Caminhais sozinhos
Do vale à montanha, Da montanha ao monte
Cavalo de sombra, Cavaleiro monge
Por quanto é sem fim, Sem ninguém que o conte,
Caminhais em mim.
HÁ UMA MÚSICA DO POVO
Poema: Fernando Pessoa
Música: Mário Pacheco
Este tema fala do que é a alma do Fado, o sentimento de Ser, do Povo, a Saudade.
Há uma música do povo,
Nem sei dizer se é um fado —
Que ouvindo-a há um ritmo novo
No ser que tenho guardado…
Ouvindo-a sou quem seria
Se desejar fosse ser…
É uma simples melodia
Das que se aprendem a viver…
E ouço-a embalado e sozinho…
É essa mesma que eu quis…
Perdi a fé e o caminho…
Quem não fui é que é feliz.
Mas é tão consoladora
A vaga e triste canção…
Que a minha alma já não chora
Nem eu tenho coração…
Se uma emoção estrangeira,
Um erro de sonho ido…
Canto de qualquer maneira
E acaba com um sentido!
OS AVISOS (TERCEIRO)
Poema: Fernando Pessoa
Música: Ney Matogrosso
A segunda parte de “O Encoberto”, chamada “Os Avisos” é a de interpretação mais imediata, tratando daqueles que anunciam a vinda do messias português, O Bandarra (o único com o dom da profecia), o Padre António Vieira e o próprio Fernando Pessoa que se refere a si próprio num poema sem nome que começa “Escrevo o meu livro à beira mágoa”.
O seu tema é o Quinto Império e o Desejado que há-de vir para o tornar realidade.
Escrevo meu livro à beira-mágoa.
Meu coração não tem que ter.
Tenho meus olhos quentes de água.
Só tu, Senhor, me dás viver.
Só te sentir e te pensar
Meus dias vácuos enche e doura.
Mas quando quererás voltar?
Quando é o Rei? Quando é a Hora?
Quando virás a ser o Cristo
De a quem morreu o falso Deus,
E a despertar do mal que existo
A Nova Terra e os Novos Céus?
Quando virás, ó Encoberto,
Sonho das eras português,
Tornar-me mais que o sopro incerto
De um grande anseio que Deus fez?
Ah, quando quererás, voltando,
Fazer minha esperança amor?
Da névoa e da saudade quando?
Quando, meu Sonho e meu Senhor?
O COMBOIO DESCENDENTE
Poema: Fernando Pessoa
Música José Afonso
Primeira edição em 1972 no álbum “Eu Vou Ser Como a Toupeira” de Zeca Afonso
Composto de três estrofes de seis versos cada uma, o texto marca-se pelo predomínio da forma fixa, valorizando a sonoridade das rimas, inclusive, as internas. O traço fundamental da composição é a repetição, tanto na forma da estrofe, métrica e ritmo, como em sua estrutura sintática e recursos da camada sonora, como assonâncias, aliterações. A repetição em todos os níveis cumpre a função de provocar o estado de sonolência e, à semelhança das cantigas de acalanto, apresenta o ritornelo que embala o sono, pois a repetição tanto sintática quanto semântica provoca o entorpecimento dos sentidos e adormece a criança.
Mais que a representação de uma viagem de comboio, alegre e barulhenta, de certa forma longa, entre Queluz e o balneário de Portimão, o poema trata, alegoricamente, do processo de adormecimento, pois, na verdade, descendente é a animação dos viajantes.
No comboio descendente
Vinha tudo a gargalhada
Uns por verem rir os outros
E os outros sem ser por nada
No comboio descendente
De Queluz á Cruz-Quebrada
No comboio descendente
Vinham todos á janela
Uns calados para os outros
E os outros sem dar-lhes trela
No comboio descendente
Da Cruz-Quebrada a Palmela
No comboio descendente
Mas que grande reinação
Uns dormindo outros com sono
E os outros nem sim nem não
NEVOEIRO
Poema: Fernando Pessoa
Musica: Dulce Pontes
O primeiro-ministro (em minúsculas) demitiu-se; a dívida pública e privada é gigantesca; os juros exigidos pelos empréstimos que contraímos são descomunais; a crise está aí em todo o seu esplendor.
Sobre a CRISE, ou crises, escreveu Pessoa na Mensagem o poema «Nevoeiro», precisamente o que encerra a obra:
O poema aponta claramente para um clima de degradação da pátria, de melancolia e tristeza, enfatizado pelo recurso a palavras e expressões que revelam negatividade, um ambiente de crise a vários níveis: político, de identidade, de incerteza e indefinição.
Ontem, tal como hoje: “Ó Portugal, hoje és nevoeiro…”.
Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer
Brilho sem luz e sem arder
Como o que o fogo-fátuo encerra.
Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro…
É a hora |
|