POETAS CANTADOS POR ANA PI

  21h30

  21h30

  18h00
música popular portuguesa
Clube de Tavira 

No comboio descendente / Mas que grande reinação!
Uns dormindo, outros com sono, / E os outros nem sim nem não —
No comboio descendente / De Palmela a Portimão…
                               In Poesia de Álvaro de Campos

Anapi é acompanhada por Stelmo Barbosa; Argenis Nunes; Merícia Lucas          


A poesia de Fernando Pessoa é hoje amplamente musicada e não só na lusofonia e por isso a pesquisa para selecionar este repertório não foi complicada. Este concerto constrói-se entre o Brasil e Portugal, com a poesia de Pessoa a fazer a ponte. O repertório português inclui canções de compositores algarvios

Poetas cantados por ANAPI . Os Argonautas . Festa dos Anos de Álvaro de Campos 2017

Poetas cantados por ANAPI . Comboio Descendente . Festa dos Anos de Álvaro de Campos 2017

Poetas cantados por Anapi NEVOEIRO . Festa dos Anos de Álvaro de Campos 2017

 



Ana Pi Cantora e compositora com formação em Música e Novas Tecnologias em 1996; coreógrafa de performances de dança e percussão corporal com formação em movimento contemporâneo 98/2002; professora de dança e expressão corporal do ensino básico 2003/2010 e pré-escolar de 2012/2017. Desde 2004 trabalha como criadora de oficinas e peças de teatro de sensibilização cívica e ambiental direcionado à faixa etária dos 3 aos 10 anos

Ana Pi Singer and songwriter with training in Music and New Technologies in 1996; Choreographer of dance and percussion performances with training in contemporary movement 98/2002; Teacher of dance and corporal expression for elementary school from 2003 to 2010 and for kindergarten from 2012 to 2017; Since 2003 haS BEEN Creating workshops and theatre plays about  civic and environmental consciousness directed to the age group from 3 to 10 years.

 

Stelmo Barbosa . Natural da cidade de Angola, em Indiana, Stelmo Barbosa vive em Tavira desde criança. Ele mesmo músico, tem na flauta e na guitarra  os seus instrumentos de eleição. É membro fundador da Associação Cultural Rock da Baixa-Mar dedicada à promoção da música rock e apoio aos grupos musicais de Tavira, e é um dos promotores da Maré de Contos, festival de narração oral, e é um dos criadores e programadores do Festival Sérgio Mestre, com duas edições já realizadas em Tavira.

 

Stelmo Barbosa. A native of the city of Angola in Indiana, Stelmo Barbosa has lived in Tavira since childhood. He is a musician who has chosen the flute and guitar as his instruments. He is a founder-member of the cultural association Rock da Baixa Mar dedicated to the promotion of rock music and to the support of musical groups in Tavira, and is one of the promoters of Maré de Contos ("tide of stories"), a festival of oral narration. He is also one of the creators and programmers of the Sergio Metre Festival, which has taken place twice in Tavira.
    



   



SENHOR POETA

 

Poema: Manuel Alegre e António Barahona da Fonseca

Música: Zeca Afonso

Gravado originalmente em 1952 no disco “Baladas de Coimbra”

 

Meu amor é marinheiro,

E mora no alto mar,

Seus braços são como o vento,

Ninguém o pode amarrar.

 

Senhor poeta, Vamos dançar,

Caem cometas,

No alto mar.

 

Cavalgam Zebras,

Voam duendes,

Atiram pedras,

Arrancam dentes.

 

Senhor poeta…

 

Soltam-se as velas, Vamos largar,

Caem cometas,

No alto mar.

 

A TUA VOZ FALA AMOROSA

 

Poema: Fernando Pessoa

Música: Tiago Machado

Pertence ao disco “Os mensageiros” de 2013 que conta com a participação de vários músicos e atores portugueses

Poesia lírica de Fernando Pessoa

 

A tua voz fala amorosa…

Tão meiga fala que me esquece

Que é falsa a sua branda prosa.

Meu coração desentristece.

Sim, como a música sugere

O que na música não está,

Meu coração nada mais quer

Que a melodia que em ti há…

Amar-me? Quem o crera? Fala

Na mesma voz que nada diz

Se és uma música que embala.

Eu ouço, ignoro, e sou feliz.

Nem há felicidade falsa,

Enquanto dura é verdadeira.

Que importa o que a verdade exalça

Se sou feliz desta maneira?

 

 

FADO DA BRASILEIRA

 

Poema: Joaquim Morgado

Música: Joaquim Morgado

Poeta, músico versátil, compositor Farense.

Um fado amoroso com um oceano a separar o casal.

 

 

Você é minha ancora,

Você é minha pedra angular.

Minha pirâmide de prazer.

 

Você é o meu canto.

Você é meu desejo, meu espanto,

Você é.

Eu te amo tanto, tanto, tanto.

 

Você é meu amor,

Meu faixo tricolor,

Você é minha chama, minha flamula e pudor

Desorientado, roto e tresloucado.

Você é meu bocado apaixonado,

Você é o meu fado.

 

 

 

 

 

 

NA RIBEIRA DESTE RIO

 

Poema: Fernando Pessoa

Música: Dori Caymmi

Poema de 1933 musicado para o disco “Música em Pessoa” de 1985

 

Este poema de Fernando Pessoa sabe transportar-nos para dentro dos seus sentimentos. O rio passa e eu confio… Algumas certezas que temos são simples e isso dá-nos segurança. A vida segue o seu curso, assim como um rio e nós vamos aprendendo a fluir com ele.

 

 

Na ribeira deste rio,

Ou na ribeira daquele,

Passam meus dias a fio,

Nada me impede, me impele,

Me dá calor ou dá frio.

 

Vou vivendo o que o rio faz,

Quando o rio não faz nada,

Vejo os rastros que ele traz,

Numa sequência arrastada,

Do que ficou para trás.

 

Vou vendo e vou meditando,

Não bem no rio que passa,

Mas só no que estou pensando,

Porque o bem dele é que faça,

Eu não ver que vai passando.

 

Vou na ribeira do rio,

Que está aqui ou ali.

E do seu curso me fio,

Porque se o vi ou não vi,

Ele passa e eu confio.

 

Ele passa e eu confio.

Ele passa e eu confio.

Ele passa e eu confio.

 

DOBRADA À MODA DO PORTO

 

Letra: Fernando Pessoa

Música: Murilo Alvarenga 

 

 

Este é um texto em género de crónica, que nos relata uma história num restaurante.

 

Um dia, num restaurante, fora do espaço e do tempo,

Serviram-me o amor como dobrada fria.

Disse delicadamente ao missionário da cozinha

Que a preferia quente,

                                                                              

Que a dobrada (e era à moda do Porto) nunca se come fria.

Impacientaram-se comigo.

                                                 

Nunca se pode ter razão, nem num restaurante.

Não comi, não pedi outra coisa, paguei a conta,

E vim passear para toda a rua.

Quem sabe o que isto quer dizer?

(Ai) eu não sei, e foi comigo

Sei isso muitas vezes,

Mas, se eu pedi amor, porque é que me trouxeram

Dobrada à moda do Porto fria?

 

Não é prato que se possa comer frio,

Mas trouxeram-mo frio.

Não me queixei, mas estava frio,

Nunca se pode comer frio, mas veio fria.

 

 

OS ARGONAUTAS

 

Poema: Fernando Pessoa

Música: Caetano Veloso

Gravado para o álbum homónimo “Caetano Veloso” de 1969.

 

É um texto famoso de Fernando Pessoa, desses que se incorporam à memória cultural de um povo. Cito de memória: “Navegadores antigos tinham um lema: navegar é preciso, viver não é preciso. Quero para mim este lema, adaptando-o à minha vida e à minha missão no mundo: viver não é necessário, o que é necessário é criar.”

Há quem interprete a frase com o outro sentido da palavra “preciso”. Navegar é preciso. Pode-se usar instrumentos de precisão para navegar. Já viver… nunca é preciso. Nunca temos total controle sobre a vida.

De qualquer forma o poema fala-nos da importância em rompermos com a mesmice, com a rotina e nos convida a aproveitar a vida ao máximo. De outra maneira viver seria passar pela existência sem aceitar tais desafios, ter uma postura mais confortável, ainda que menos interessante.

 

O Barco!

Meu coração não aguenta

Tanta tormenta, alegria

Meu coração não contenta

O dia, o marco, meu coração

O porto, não!…

 

Navegar é preciso

Viver não é preciso

 

O Barco!

Noite no teu, tão bonito

Sorriso solto perdido

Horizonte, madrugada

O riso, o arco da madrugada

O porto, nada!…

 

Navegar é preciso

Viver não é preciso

 

O Barco!

O automóvel brilhante

O trilho solto, o barulho

Do meu dente em tua veia

O sangue, o charco, barulho lento

O porto, silêncio!…

 

Navegar é preciso, Viver não é preciso…

 

 

ESTRELA, LUA E FLÔR

 

Poema: Joaquim Morgado

Música: Joaquim Morgado

Poeta, musico e compositor algarvio

 

Esta canção é um sonho romântico de um amor vivido agora sentido.

Um sonho concedendo um desejo, materializando, aceitando-o.

 

Se essa estrela que azul brilha no azul do céu,

Que à noite negro é,

Se estrela azul me pertencesse a mim,

Eu dava-a…

 

E essa rosa que louca me faz louca e vai,

No ar se desfazer em pétalas de mim,

Se essa rosa tão linda e louca fosse eu,

Oh, eu dava-a…

 

Ah! Se essa flor sem cheiro ou cor,

Seu nome eu pudesse dizer,

Eu procurava por ela num jardim,

Eu roubava-a e trazia-a junto a mim,

Para te dar.

E se depois a estrela, a rosa e essa flor,

Num bailado louco bailavam no teu sono,

Eu roubava a lua,

P’ra tu sonhares…

 

E então, de manhã ao acordar,

A estrela partia devagar,

A rosa de desfazia no ar,

A lua ia nascer noutro lugar,

E um coração, botão de flor, parava de chorar.

 

 

 

 

 

 

CAVALEIRO MONGE

 

Poem: Fernando Pessoa

Música: Tom Jobim

Musicado para o disco “Música em Pessoa” de 1985

 

Do Vale à Montanha é um poema esotérico e iniciático de Fernando Pessoa, datado no ano de 1932. O interesse de Pessoa pelo esoterismo terá vindo desde 1915. Especialmente por  teosofia, uma teoria filosófica muito em voga então. Pessoa dizia acreditar em mundos superiores ao nosso com habitantes que teriam experiências de diversos graus de espiritualidade.

 

Um monte que liga o mundo terreno ao mundo divino, uma montanha sagrada que dá acesso ao conhecimento proibido e vedado aos mortais, é certamente uma metáfora, porque na verdade a ascensão é interna, tanto como externa.

O “cavaleiro-monge” remete-nos à imagem dos cavaleiros templários – monges e simultaneamente soldados. O poema descreve um percurso iniciático, cheio de obstáculos, que o cavaleiro-monge e o cavalo de sombra percorrem.

 

 

Do vale à montanha, Da montanha ao monte

Cavalo de sombra, Cavaleiro monge

Por casas, por prados, Por quintas e por fontes

Caminhais aliados

 

Do vale à montanha, Da montanha ao monte

Cavalo de sombra, Cavaleiro monge

Por penhascos pretos, Atrás e defronte

Caminhais secretos

 

Do vale à montanha, Da montanha ao monte

Cavalo de sombra, Cavaleiro monge

Por prados desertos, Sem ter horizontes

Caminhais libertos

 

Do vale à montanha, Da montanha ao monte

Cavalo de sombra, Cavaleiro monge

Por ínvios caminhos, Por rios sem pontes

Caminhais sozinhos

 

Do vale à montanha, Da montanha ao monte

Cavalo de sombra, Cavaleiro monge

Por quanto é sem fim, Sem ninguém que o conte,

Caminhais em mim.

 

HÁ UMA MÚSICA DO POVO

 

Poema: Fernando Pessoa

Música: Mário Pacheco

Este tema fala do que é a alma do Fado, o sentimento de Ser, do Povo, a Saudade.

 

Há uma música do povo,

Nem sei dizer se é um fado —

Que ouvindo-a há um ritmo novo

No ser que tenho guardado…

 

Ouvindo-a sou quem seria

Se desejar fosse ser…

É uma simples melodia

Das que se aprendem a viver…

 

E ouço-a embalado e sozinho…

É essa mesma que eu quis…

Perdi a fé e o caminho…

Quem não fui é que é feliz.

 

Mas é tão consoladora

A vaga e triste canção…

Que a minha alma já não chora

Nem eu tenho coração…

 

Se uma emoção estrangeira,

Um erro de sonho ido…

Canto de qualquer maneira

E acaba com um sentido!

 

 

 

 

 

OS AVISOS (TERCEIRO)

 

Poema: Fernando Pessoa

Música: Ney Matogrosso

 

A segunda parte de “O Encoberto”, chamada “Os Avisos” é a de interpretação mais imediata, tratando daqueles que anunciam a vinda do messias português, O Bandarra (o único com o dom da profecia), o Padre António Vieira e o próprio Fernando Pessoa que se refere a si próprio num poema sem nome que começa “Escrevo o meu livro à beira mágoa”.

O seu tema é o Quinto Império e o Desejado que há-de vir para o tornar realidade.

 

 

Escrevo meu livro à beira-mágoa.

Meu coração não tem que ter.

Tenho meus olhos quentes de água.

Só tu, Senhor, me dás viver.

 

Só te sentir e te pensar

Meus dias vácuos enche e doura.

Mas quando quererás voltar?

Quando é o Rei? Quando é a Hora?

 

Quando virás a ser o Cristo

De a quem morreu o falso Deus,

E a despertar do mal que existo

A Nova Terra e os Novos Céus?

 

Quando virás, ó Encoberto,

Sonho das eras português,

Tornar-me mais que o sopro incerto

De um grande anseio que Deus fez?

 

Ah, quando quererás, voltando,

Fazer minha esperança amor?

Da névoa e da saudade quando?

Quando, meu Sonho e meu Senhor?

 

 

 

O COMBOIO DESCENDENTE

 

Poema: Fernando Pessoa

Música José Afonso

Primeira edição em 1972 no álbum “Eu Vou Ser Como a Toupeira” de Zeca Afonso

 

Composto de três estrofes de seis versos cada uma, o texto marca-se pelo predomínio da forma fixa, valorizando a sonoridade das rimas, inclusive, as internas. O traço fundamental da composição é a repetição, tanto na forma da estrofe, métrica e ritmo, como em sua estrutura sintática e recursos da camada sonora, como assonâncias, aliterações. A repetição em todos os níveis cumpre a função de provocar o estado de sonolência e, à semelhança das cantigas de acalanto, apresenta o ritornelo que embala o sono, pois a repetição tanto sintática quanto semântica provoca o entorpecimento dos sentidos e adormece a criança.

Mais que a representação de uma viagem de comboio, alegre e barulhenta, de certa forma longa, entre Queluz e o balneário de Portimão, o poema trata, alegoricamente, do processo de adormecimento, pois, na verdade, descendente é a animação dos viajantes.

 

No comboio descendente

Vinha tudo a gargalhada

Uns por verem rir os outros

E os outros sem ser por nada

 

No comboio descendente

De Queluz á Cruz-Quebrada

 

No comboio descendente

Vinham todos á janela

Uns calados para os outros

E os outros sem dar-lhes trela

 

No comboio descendente

Da Cruz-Quebrada a Palmela

 

No comboio descendente

Mas que grande reinação

Uns dormindo outros com sono

E os outros nem sim nem não

NEVOEIRO

 

Poema: Fernando Pessoa

Musica: Dulce Pontes

 

O primeiro-ministro (em minúsculas) demitiu-se; a dívida pública e privada é gigantesca; os juros exigidos pelos empréstimos que contraímos são descomunais; a crise está aí em todo o seu esplendor.

          Sobre a CRISE, ou crises, escreveu Pessoa na Mensagem o poema «Nevoeiro», precisamente o que encerra a obra:

O poema aponta claramente para um clima de degradação da pátria, de melancolia e tristeza, enfatizado pelo recurso a palavras e expressões que revelam negatividade, um ambiente de crise a vários níveis: político, de identidade, de incerteza e indefinição.

Ontem, tal como hoje: “Ó Portugal, hoje és nevoeiro…”.

 

 

Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,

Define com perfil e ser

Este fulgor baço da terra

Que é Portugal a entristecer

Brilho sem luz e sem arder

Como o que o fogo-fátuo encerra.

 

Ninguém sabe que coisa quer.

Ninguém conhece que alma tem,

Nem o que é mal nem o que é bem.

(Que ânsia distante perto chora?)

 

Tudo é incerto e derradeiro.

Tudo é disperso, nada é inteiro.

Ó Portugal, hoje és nevoeiro…

 

É a hora        

 

No comboio descendente De Palmela a Portimão
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